Editorial Correio Brasiliense 06/05/09
Rota de colisão -->
Newton CarlosJornalista
Há um livro saído em 2005, editado no Brasil pela Record, que prevê um “apocalipse biológico”. O autor, o americano Mike Davis, é conhecido pesquisador com vários prêmios, dos quais não está ausente o ativismo político. Ele fala, por exemplo, da “favelização” do universo e suas consequências. Depois de checar com especialistas e em centros de pesquisas, ele escreveu Um monstro bate às nossas portas, que trata das mutações da gripe aviária (vírus letal conhecido como H5N1, aparecido na China em 2003). “É asteroide em rota de colisão com a humanidade”, segundo Mike. “Foram gastos bilhões de dólares na expectativa de ataques de antrax, pouco prováveis de acontecerem, e ignorada a ‘flu’ epidêmica, certamente a caminho”, disse ele. Não se tratou de voz no deserto. A Organização Mundial de Saúde (OMS) se inclui, com seu peso institucional, entre os que avisaram que o vírus letal estaria se aproximando da mutação. Ficamos sabendo que os gigantes farmacêuticos gastam em pesquisas 11% do que faturam. Em marketing, 27%. Tudo isso compõe um mundo nada confortável, repleto de situações que mais parecem bombas-relógio gigantes. O que acontecerá se o Irã não abrir mão de suas ambições nucleares? Ou se Israel não aceitar, como parece que não aceita, a criação de um Estado palestino? Os Talibãs avançam no Afeganistão, os Estados Unidos admitem que foram derrotados no Iraque e decidem assumir as consequências. Sem falar nos genocídios e guerras africanas, bomba populacional, aquecimento do planeta, tráfico de drogas, conflitos étnicos e religiosos e esgotamento dos recursos naturais. A escassez de água já provoca conflitos e vai em frente à proliferação das armas de destruição maciça, a maior ameaça à humanidade, de acordo com a ONU. A África é uma tragédia só, neocolonialismo depois do colonialismo, tema adotado por John le Carré com o esgotamento da Guerra Fria, de onde emergiu o seu clássico Um espião que saiu do frio. Os dois últimos livros de Carré, O jardineiro fiel e o Canto da missão, tratam de multinacionais farmacêuticas usando africanos como cobaias e da confusão étnica da África em meio a guerras, genocídios, diamantes, petróleo e o Ocidente tratando de seus interesses com nova roupagem. Ficamos sabendo que uma dessas guerras, a do Congo, é tida como a primeira guerra mundial da África, tal a interferência externa, sobretudo dos tutsis martirizados pelos hutus em Ruanda. Estupros são uma constante. Já totalizam mais de 4 milhões os mortos no Congo, não só a balas, facões e porretes. Também de fome e doenças, como megaepidemias de Aids. Na ONU, deveria florescer o internacionalismo, mas o que se vê, disse o historiador inglês Geoffrey Barraclough, é um falso internacionalismo da Guerra Fria, que continuou falso sem a Guerra Fria. Cinco potências (Estados Unidos, Inglaterra, Rússia, França e China) têm assentos permanentes no Conselho de Segurança, suposto guardião da ordem no mundo, e podem vetar qualquer resolução. Fica claro que elas tratam de resguardar-se. Que tal uma resolução condenando a China pela anexação do Tibé? Nem pensar. Israel tem a bomba. Ninguém mais nas redondezas pode tê-la? Os Estados Unidos, de olho na China, de certo modo assinaram embaixo dos programas nucleares da Índia. Também do Paquistão, considerado importante aliado na luta contra o terrorismo. Mas Paquistão e Índia já trocaram tiros na Cachemira. Além disso, o Paquistão é um país anárquico, repleto de islamismo radical. No Iraque, naufragou o projeto do neoconservadorismo americano de usar o poder militar dos Estados Unidos para impor uma ordem capitalista mundial, quase uma cruzada. O vice de Bush, Dick Cheney, chegou a dizer que tinham a bênção de Deus os impulsos imperiais de Washington. O que virá, com a constatação, por parte da Casa Branca, de que o poder tem limites, tema de um livro de sucesso entre americanos? O mundo continua na rota da anarquia, da fome, das doenças que matam milhões, do egoísmo e cacoetes imperialistas das potências, do acúmulo das armas de destruição maciça com gatilhos antagônicos e um etc. cujo conteúdo não parece nada bom. Muito pelo contrário. --> --> --> -->
Um comentário:
MUITO BOM. James/SP
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